Via : Revista PEGN

Publicado: quarta-feira, 15 agosto, 2018 às 16:14
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É importante que os sócios sejam coachable, ou seja, capazes de absorver novos conhecimentos

No ecossistema das startups brasileiras, alguns nomes são tão admirados quanto temidos. Anderson Thees é um deles. Por um lado, esse mineiro de Juiz de Fora construiu uma das carreiras mais lendárias do mercado de tecnologia brasileiro.

Depois de trabalhar na empresa de software do irmão, Thees passou por companhias de peso como o banco suíço UBS, o fundo Eccelera, o grupo de mídia Naspers — onde pilotou a compra do site Buscapé — e o Apontador.

E põe implacável nisso: em média, para cada “sim” pronunciado, saem de sua boca outros 200 “nãos”. Em conversa exclusiva com Pequenas Empresas & Grandes Negócios, ele conta como faz suas escolhas, analisa o ecossistema brasileiro e comenta os resultados do Cubo Itaú, espaço de empreendedorismo assinado pela Redpoint e.ventures e pelo banco.

 Nos últimos meses, surgiram três unicórnios [empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão] no Brasil — Nubank, 99 e PagSeguro. O que explica esse movimento?

É uma combinação de fatores. As melhorias econômicas recentes fizeram com que os investidores globais voltassem a se interessar pelo Brasil, com foco em resultados de longo prazo.

No caso específico dessas três empresas, elas têm em comum fundadores que são pessoas brilhantes, determinadas e que não desistem fácil.

Além disso, essa safra de negócios tem equipes muito boas, que melhoraram demais de alguns anos para cá. Não tenho dúvidas que essa onda de unicórnios vai continuar. Existem muitas empresas que podem cruzar essa linha rapidamente. Mas acho bom lembrar que se tornar um unicórnio não é um objetivo por si só.

A maioria dos empreendedores que conheço quer criar um negócio sustentável, que pare em pé e tenha muito potencial para crescer. A rodada do US$ 1 bilhão é apenas uma consequência disso.

Esses três unicórnios são de áreas de atuação diferentes. Quais setores oferecem mais oportunidades de crescimento hoje?

Hoje nós temos dois movimentos. De um lado, há os segmentos grandes que estão amadurecendo o uso da tecnologia. É o caso das fintechs. Elas já são um fenômeno, mas ainda existe muita coisa para ser feita nessa área.

Saúde e educação também entram nessa categoria: surgiram muitas startups inovadoras nos últimos tempos, mas ainda há muito espaço para ocupar. E agora estamos começando a ver também startups surgindo em setores que antes não lidavam com tecnologia, como o mercado imobiliário e o de seguros.

O que mudou no nosso ecossistema de startups nos últimos anos? Como a crise afetou o cenário de tecnologia?

Não houve crise no mercado de tecnologia brasileiro. Nada. Zero. Para mim, como cidadão, a crise foi muito ruim, um monte de amigos perderam emprego, foi pesado. Mas, falando de forma superegoísta, como gestor de um fundo, foi muito bom. Nós achávamos que seríamos o primeiro de vários fundos que viriam do Vale para o Brasil. Acabamos virando o único a aportar por aqui.

Além disso, a crise colocou em evidência o nosso trabalho, que consiste em aumentar a eficiência das empresas. Num mercado muito bom, se você oferece uma solução que vai aumentar em 3% a produtividade, ninguém presta muita atenção. Mas, durante uma crise, aqueles 3% podem ser a tábua de salvação. Em relação ao ecossistema, diria que melhorou muito desde que começamos a Redpoint, em 2012.

Muitas lacunas foram preenchidas. É o caso da participação das grandes empresas no ecossistema. No Vale do Silício, as gigantes de tecnologia são ex-startups que, hoje, dedicam parte do seu tempo a investir em empresas iniciantes. Isso não existia no Brasil. Hoje já temos o primeiro grupo de ex-startups brasileiras que se tornaram gigantes, como Movile e Buscapé. Elas receberam investimento, cresceram e agora começam a investir em outras startups. O ciclo se fecha.

Qual a importância do corporate venture nesse ecossistema?

É fundamental. Veja bem, ainda vai levar um tempo para que tenhamos, no Brasil, um grande número de ex-startups prontas para investir em outros fundadores. Então as grandes empresas estão assumindo esse papel.

Um movimento muito significativo nesse sentido foi o lançamento, em 2015, do Cubo Itaú [espaço de coworking que é resultado de uma parceria entre a Redpoint e.ventures e o banco Itaú]. As grandes empresas olharam para nós e pensaram: “Se o Itaú, com o tamanho e o poderio que tem, está dedicando tempo e recursos para entender como as startups funcionam, então é melhor prestarmos atenção também”. Então, vejo como um catalisador desse movimento.

Como você analisa o desempenho do Cubo  Itaú nesses três anos?

Na minha avaliação, tivemos um resultado fantástico. Existem várias empresas que saíram de lá e estão se dando superbem no mercado. Um caso emblemático é o do Banco Neon.

Dizem que os bancos são contra as fintechs, mas este é o caso de uma fintech que surgiu dentro de um projeto apoiado por um banco. Nesse momento, estamos com 55 empresas residentes.

Até o final do primeiro semestre deste ano, vamos dar o próximo passo, com o lançamento do novo espaço do Cubo, que será quatro vezes maior que o atual. Terá 12 andares, 20 mil metros quadrados e espaço para algo entre 120 e 200 empresas. Também faremos algumas adaptações no modelo, para permitir que empresas um pouco maiores possam ficar mais tempo por lá.

Você tem fama de ser durão na hora de liberar investimentos. Como é o seu processo de análise de uma startup na Redpoint e.ventures?

É um trabalho muito mais ingrato do que as pessoas pensam. No venture capital, a gente fala muito “não” o tempo todo. São 200 “nãos” para cada “sim”. E, sendo bem cruel, mas falando a verdade, metade desses “nãos” são para empreendedores que não estão fazendo um bom trabalho.

Também existem empreendimentos que são legais, mas não estão no nosso foco. São o que a gente chama de lifestyle business: empresas que vão valer uns R$ 40 milhões daqui a alguns anos, mas que não fazem sentido para um fundo como o nosso.

Às vezes também somos obrigados a dizer “não” a empresas ótimas, com empreendedores preparados, e daí é dolorido. Mas, se o negócio é muito bom, mas tem dois ou três detalhes que não deixam a gente confortável, nossa obrigação é declinar.

Quais são os requisitos básicos para passar pelo seu crivo?

Quando analiso uma empresa, o mais importante, antes e acima de tudo, é a equipe. É o principal fator para tomar a decisão de investir ou não, por vários motivos. O mais óbvio e menos nobre é que não tem mais nada para se olhar numa empresa iniciante. Quanto mais novata é a empresa, mais importante é o comprometimento dos sócios com a solução que eles propõem para o mercado.

O CEO não precisa ter todas as características necessárias para ter sucesso, mas ele precisa ser capaz de atrair outras pessoas que possam complementá-lo. Também é importante que os sócios sejam coachable, ou seja, capazes de absorver novos conhecimentos.

Para a gente, é um péssimo negócio colocar dinheiro em uma empresa que não vai valorizar as nossas experiências. Outros fatores importantes na análise são o tamanho do mercado e o produto ou problema, que para a gente é a mesma coisa, dois lados da mesma moeda. É um pepino grande que a gente vai descascar juntos usando a tecnologia? Então ali tem jogo.

Uma boa equipe é mais importante que um bom plano de negócios

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