Via : Endeavor

Publicado: terça-feira, 24 abril, 2018 às 17:48
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Chega um dia em que você não consegue honrar os compromissos e começa a atrasar os primeiros pagamentos

Acontece com muita gente. O negócio parecia bem, as vendas aumentavam a cada mês, dinheiro entra, dinheiro sai… Mas chegou a hora em que o dinheiro acabou. O caixa fica no vermelho e a solução parece por vezes ser a mais óbvia: red=uzir custos. Demitir pessoas nem sempre dá, porque a rescisão custa. Mudar o plano de saúde, cortar o copinho plástico do escritório ajudam, mas muitas vezes escondem um desafio maior: o empreendedor tem problemas estruturais de fluxo de caixa.

Minha experiência com gestão de caixa sob estresse foi no susto. Onze anos trabalhando em uma multinacional, posso dizer que o que eu mais tinha era disponibilidade de recursos. Porém, quando fui para uma empresa de médio porte que fazia terceirização de serviços, tive que aprender na prática o que era viver com o caixa no vermelho. No início, foi bastante assustador: a situação parecia irreversível, não tinha mais de onde tirar dinheiro para cobrir as despesas, e cheguei a dormir noites sem saber como pagaria fornecedores no dia seguinte.

Com o tempo, fui ganhando musculatura para lidar com esse desafio e uso esses aprendizados nas mentorias que faço com alguns empreendedores apoiados pela Endeavor. Reuni neste artigo um passo a passo para te orientar nesse desafio, caso você também esteja com problemas de fluxo de caixa.

Por que estou com problemas com fluxo de caixa?

Idealmente, todo o empreendedor precisar trabalhar para identificar os problemas de fluxo de caixa o quanto antes, por meio do planejamento. No entanto, o jeito mais óbvio de percebermos os problemas com o fluxo de caixa é a falta de dinheiro em si. Chega um dia em que você não consegue honrar os compromissos e começa a atrasar os primeiros pagamentos. Com uma sistemática de planejamento e visualização antecipada dos problemas, não resolvemos a situação em si, mas fabricamos tempo para tomar uma série de medidas de ajuste.

Antes de seguir, é importante termos clareza de qual (is) cenário (s) estamos vivendo:

1) “O negócio “para de pé”, é economicamente viável, mas sofre temporariamente de problema financeiro.”

Se você ainda não o fez, sugiro começar com a projeção de um fluxo de caixa para os próximos três ou quatro meses e se deparar com a quantificação do real problema. Nos mundos da psicologia e da gestão, estar face a face com ele é um importante passo para começar a resolvê-lo. Enfiar a cabeça dentro de um buraco, entrar em senso de negação ou colocar as fichas em algum evento incerto podem ser apenas a terceirização do problema ao acaso.

NINGUÉM MELHOR PARA RESOLVER ESSE PROBLEMA TÁTICO DO QUE O ESFORÇO CONJUNTO DO EMPREENDEDOR E SUA EQUIPE.

2) “Desconfio que o problema seja mais grave, porque tenho indícios de que a conta nunca fecha.”

Essa é uma situação mais séria, que vai além da capacidade de gestão do time financeiro e envolve diretamente o empreendedor e o modelo de negócios da empresa. Os problemas de viabilidade econômica podem acontecer com qualquer empresa ao longo de sua vida, não só com as mais novas que ainda estão em fase de validação do negócio.

A empresa onde trabalhei, por exemplo, já tinha 17 anos de mercado, um faturamento de US$ 250 milhões por ano. Mas a conta não fechava. Ao longo de uma década ela foi pedalando: entrava dinheiro, fechava novos contratos, crescia e abraçava novas linhas de crédito para sustentar a operação.

MAS A RENTABILIDADE ERA BAIXA E O RISCO ALTÍSSIMO. ELA FOI CRESCENDO, SE ENDIVIDANDO…ATÉ QUE UMA HORA A CORDA ESTOUROU.

Enxergar se essa situação também acontece no seu negócio é um enorme desafio porque o empreendedor é o primeiro a defender com todas as forças sua empresa. Esse senso de autonegação faz a pessoa perder a capacidade objetiva de olhar o mercado e reinventar o negócio criando um modelo mais sustentável financeiramente.

O empreendedor precisa entender o mercado, seus competidores e se sua proposta de valor é adequada para gerar vendas — em algum aspecto do produto ou serviço deve haver diferenciação suficiente para fisgar o seu cliente. Logo, realismo em torno do desenho do produto ou serviço, a começar pela precificação, é vital para um negócio sustentável e que se refletirá na rentabilidade da empresa. O outro lado dessa moeda mora na estrutura eficiente de operação da empresa, no qual o consumo de recursos deve ser na medida certa para a entrega da proposta de valor.

Se o problema de fluxo de caixa na sua empresa for apenas tático, será muito mais fácil de resolver. Nesse texto, você encontra algumas ações práticas para adotar e melhorar a saúde do seu caixa. Mas, se for também estrutural, relacionado com a viabilidade do negócio, vai depender de você se reinventar.

Para se aprofundar, veja também: Pivot: 10 formas de dar um 180° no seu negócio

Prever o futuro antes do dinheiro acabar

Você precisa saber meses antes que vai faltar dinheiro para ter tempo de fazer alguma coisa a respeito. Porque se já faltou e a data de vencimento é amanhã, suas opções se tornarão mais restritas (se ainda houver!), como pegar um “dinheiro caro” para pagar com urgência as contas prestes a vencer.

É necessário fazer planejamento! Não precisa ser uma projeção anual se a natureza da sua empresa for pouco previsível e os clientes não forem regulares. Faça uma projeção de caixa para os próximos 3 ou 4 meses. Ainda parece muito tempo? Comece, então, prevendo as próximas 4 semanas. O mais importante é ganhar alguma margem de antecipação porque, com o tempo, você fará melhores escolhas e, sobretudo, não começará a colocar sua reputação em risco.

QUANDO VOCÊ FAZ UM FLUXO DE CAIXA COM CERTO HORIZONTE, CONSEGUE PREVER COM ALGUMA DOSE DE REALISMO SE EXISTE PROBLEMA À VISTA.

Assim, você tem tempo de discutir com seus sócios o que é prioridade negociar para fazer as contas fecharem.

Fluxo de caixa é matemática simples: só pode sair aquilo que entrou

Seja realista nas previsões de entradas e muito mais ainda ao cobrá-las

O controle de contas a pagar e a receber tem dinâmicas totalmente diferentes. Por um lado, a saída de caixa será mais previsível. Você sabe que precisa pagar todo mês os salários dos funcionários, os encargos, impostos, aluguel e fornecedores. Porém, as entradas não são tão previsíveis assim. Há o risco da inadimplência e de atraso de seus clientes, então é importante que o conhecimento e dados do histórico sejam usados na projeção. Fluxo de caixa tem que ser uma peça de realismo, e não de desejos de que algo funcione.

RECOMENDO, ENTÃO, QUE ENTRADAS ARRISCADAS SEJAM RETIRADAS DO FLUXO E MANTIDAS À PARTE DENTRO DA LISTA DE AÇÕES E MEDIDAS PARA O TIME.

Aliás, quanto menor for sua margem de lucro, mais importante será ter um grau de certeza alto de pagamento dos clientes. Se um negócio de serviços, por exemplo, tem uma margem de 10 a 15%, e apenas 80% de previsibilidade do pagamento, essa combinação já é suficientemente explosiva para a conta não fechar ao final do mês.

Nesse caso, será mais necessário ainda estruturar um processo de cobrança com regras claras, definindo por um lado que flexibilidade de prazos será oferecida ao cliente mas em quais momentos as devidas medidas administrativas e judiciais serão tomadas. É recomendável que alguém do time exerça a função de primeiro nível de cobrança, já que ela é vital para o fôlego do seu negócio, mas não tira o foco do empreendedor de outras importantes questões.

Leia também: Processo de cobrança: um plano de ação para evitar atrasos e inadimplência

Não tenha vergonha de negociar

Quando vemos momentos difíceis no horizonte, a reação mais usual que observei entre empreendedores (e eu mesmo a tive ao início do meu ciclo de gestão de caixa sob estresse) é esgotar primeiramente as alternativas de endividamento a curto prazo, desde a antecipação de recebíveis até recorrer a um empréstimo. A reação é lógica por um lado, mas muitas vezes insuficiente. Interessante também é pontuar os pensamentos por detrás deste comportamento — “Eu, empreendedor ou gestor, resolverei o tema internamente e não deixarei transparecer nenhum tipo de dificuldade aos nossos parceiros e colaboradores”.

Entretanto, dependendo do porte do problema de caixa, quanto mais cedo o empreendedor sentar e negociar com seus parceiros de negócio, melhor. Podem ser seus prestadores de serviço, fornecedores e até mesmo o proprietário do prédio que você aluga. A maioria dos empreendedores fica reticente em fazer isso por não quererem transparecer algum problema de solidez, mas se o recurso for bem usado, você e seus parceiros passarão pela turbulência e, ainda de quebra, terão a relação de confiança fortalecida. O famoso “combinado não sai caro” se encaixa muito bem aqui.

É interessante se colocar nos sapatos de seus parceiros — o pior para eles é haver expectativa de um pagamento seu, e sem uma comunicação prévia não receber nada. Do lado do fornecedor, também é importante fidelizar o cliente. Então, ele vai fazer o que for preciso para mantê-lo como cliente ativo, de acordo com a disponibilidade de capital e o fôlego financeiro dele.

Novamente, na minha experiência, quando você faz isso com antecedência suficiente, quem está do outro lado se torna muito receptivo. Depois de sair daquela empresa de prestação de serviços, fui trabalhar em um hospital que tinha uma situação de caixa sensível às vésperas do 13º salário –e, ao mesmo tempo tinha que garantir a normalidade de serviços e suprimentos. Comecei no final de outubro a negociar com os parceiros uma janela de tempo até janeiro, garantindo um fluxo mínimo de pagamento que tinha certeza que cumpriríamos (olha aí a importância do fluxo de caixa novamente!).

Ao final passamos pelo período juntos, com feedback positivo de vários deles quando viram que cumprimos o combinado. A negociação evitou que nós tivéssemos problemas com o fornecimento dos equipamentos e também um excesso de cobranças no momento errado, que tiram a tranquilidade de qualquer pessoa.

ESSA ATITUDE DE NEGOCIAÇÃO DEIXOU A REPUTAÇÃO DO HOSPITAL MAIS FORTALECIDA PORQUE TRANSPARECEU MATURIDADE DE GESTÃO.

Se precisar atrasar, priorize o que tem menor risco para o negócio

Você tem uma série contas na mesa e precisa decidir qual delas priorizar, já que não consegue pagar todas. Nesse caso, escolha pagar primeiro aquilo que tem o maior risco de interromper o funcionamento da sua operação. Recomendo que, quanto maior sua operação for, mais pessoas de outras partes da empresa sejam envolvidas, porque uma cabeça só será insuficiente para ponderar todas as possíveis consequências. Isso implica comunicação sólida e positiva aos colaboradores que serão envolvidos neste “comitê de pagamentos”.

Tente ao máximo conjugar esta ação com a anterior, garantindo boa comunicação com os parceiros possíveis.

Aumentar as vendas nem sempre é a solução

Se lá em cima nós dissemos que fluxo de caixa é uma matemática simples de entrada e saída de dinheiro, uma forma de atacar o problema é aumentando a entrada de capital, certo?

A ESTRATÉGIA DE GERAR MAIS CAIXA SEMPRE PASSA POR AUMENTAR O VOLUME DE VENDAS, MAS ESSA NEM SEMPRE É A DECISÃO MAIS EFICIENTE PARA O CURTO PRAZO. EM ALGUNS CASOS, ACREDITE, É MAIS IMPORTANTE VENDER MENOS.

Boa parte das vendas demanda algum capital de giro, o que você poderá não ter. Ainda pior: se você caminhar para contratos com risco de inadimplência e baixa rentabilidade, pois você pode comprometer ainda mais o funcionamento da empresa. Você aumenta a demanda de mão de obra, matéria prima ou suprimentos para garantir aquela entrega e não tem segurança de que o pagamento vai ser realizado no tempo que você precisa.

Nesses casos, pode ser mais importante você limpar seu portfólio de clientes para diminuir o risco. Você pode diminuir o número de contratos, equacionando quem são os clientes com margem baixa e risco alto de inadimplência para, então, decidir abrir mão deles.

Por outro lado, para compensar esse movimento de enxugamento de carteira (e de entradas) será preciso reestruturar os gastos da empresa.

Reestruturação de gastos

Se você mexeu no volume de vendas e no número de clientes, precisa compensar isso reestruturando os gastos para a operação ficar mais enxuta. Na prática, significa desde a troca de fornecedores, plano de saúde até o local de seu escritório para diminuir os gastos totais.

Essa reestruturação se divide em coisas que custam e outras que não custam. Por exemplo, mandar pessoas embora custa. Se você não tem caixa, não poderá mexer nisso no curto prazo. Mas poderá rever contratos de fornecimento de insumos e de serviços, pedir condições melhores sobretudo se forem contratos mais antigos e gerar espaço gradual em caixa para medidas de redução de gastos que custem.

LEMBRE-SE QUE SE O MERCADO ESTÁ MAIS VOLÁTIL NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS, E OS PARCEIROS ESTARÃO MAIS ABERTOS PARA NEGOCIAR.

Como é a rotina do financeiro quando o caixa está no vermelho?

Se a situação realmente é grave, não dá para o gestor financeiro tomar as decisões sozinho. Quanto mais graves as decisões, mais frequentes precisam ser as conversas dele com os empreendedores. Na primeira experiência que tive, nós fazíamos uma ou duas conversas por semana porque não tínhamos dinheiro para pagar todo mundo. As decisões do que seria pago ou não eram feitas por um comitê, formado por líderes de outros times, porque uma cabeça sozinha não consegue mais pensar em todas as consequências de uma conta não paga.

Alguns membros desse comitê podem ser eleitos inclusive o “padrinho” de comunicação com determinados parceiros — portanto, não se esqueça de alinhar o discurso entre todos, tendo certeza de que o tom e mensagem estão ajustados.

SE O GESTOR FINANCEIRO FICAR SOZINHO, VAI TOMAR MÁS DECISÕES. EM GRUPO, ELE TERÁ UMA VISÃO MAIS AMPLA DA SITUAÇÃO PARA PRIORIZAR MELHOR, MINIMIZANDO O RISCO PARA O NEGÓCIO.

E como ficam as pessoas?

O mais difícil no processo de reestruturação de custos é quando ela chega aos funcionários da empresa. Vários empreendedores e gestores esgotam as alternativas externas, antes de seguir com cortes de funcionários.

Nessa fase, a transparência é essencial. É muito importante colocar todo mundo na mesma página, para que todos entrem em um modo de ‘vacas magras’, economizando ao máximo: do porteiro ao empreendedor.

Se puder, evite a todo custo mexer nos benefícios dos funcionários porque isso afeta a percepção do clima da empresa, diminui o engajamento das pessoas e aumenta o medo e a insegurança. Antecipe-se a essa decisão para cortar gente, se for preciso, quando você ainda tem dinheiro em caixa.

Na minha opinião, é mais importante garantir que quem está dentro está feliz do que tentar preservar todo mundo sem oferecer um ambiente, benefícios e estrutura que as façam felizes lá dentro.

Para se aprofundar, veja também: Demissão: um percurso que exige cuidados redobrados

Nesse momento, o papel do líder é trabalhar a moral das pessoas. Esteja presente na empresa, seja visto pelos corredores, converse com as pessoas, faça reuniões e comunicados frequentes. As pessoas pedem por isso e, quanto menos veem os líderes por perto, mais sozinhas se sentem com receio do que pode acontecer.

É EM MOMENTOS DE CRISE QUE O EMPREENDEDOR TEM COMO MAIOR RESPONSABILIDADE ASSUMIR O LEME DO BARCO E DAR O SEU MELHOR PARA FAZER ELE NÃO AFUNDAR.

Na prática, o que eu posso fazer?

– Se você tem problemas de caixa, faça antes de tudo a reflexão: esse problema é tático, por conta da inadimplência dos clientes ou baixa nas vendas,; ou estrutural, por conta da viabilidade econômica de sua empresa?

– Se a resposta for de nível tático, faça o planejamento e a projeção do caixa; desenhe um processo de cobranças; não tenha medo de negociar com os fornecedores e reestruture os gastos para a operação ficar mais enxuta;

– Se o problema for estrutural, revisite seu modelo de negócios. Para isso, tenha ao seu lado um gerente financeiro ou CFO capaz de te dar suporte estratégico na tomada de decisão.

Leia mais em Endeavor @ https://endeavor.org.br/problemas-com-fluxo-de-caixa-o-que-fazer-quando-sua-empresa-esta-enfrentando-uma-crise-financeira/

O que fazer quando sua empresa está enfrentando uma crise financeira

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